I in my intricate image, stride on two levels,
Eu, em minha intrincada imagem, cavalgo em dois níveis,
Contador de histórias admirável, centro das atenções nos bares do Soho, o Quartier Latin de Londres, Dylan também freqüenta as livrarias da moda e começa a se relacionar com escritores e editores comunistas, a esquerda da época, mas jamais será um revolucionário. É um rebelde, um revoltado e com certeza não se alinha com a direita, mas se é um “gauche na vida”, é apenas enquanto poeta. Sua política, se tivesse uma, seria o pacifismo. E os únicos versos políticos que sua obra contém são dos poemas contra a guerra, ou melhor: os que o horror da guerra lhe inspirou.
While a man outside with a billhook,
Up to his head in his blood,
Cutting the morning off,
Enquanto lá fora um homem, mergulhado
Até a cabeça em seu próprio sangue,
Degolava a manhã a navalhadas,
O Soho então freqüentado por Dylan Thomas nada tinha de underworld, era apenas um bairro de artistas, boêmio. Os pubs de Londres da década de 30 eram pontos de encontro mais de operários do que de intelectuais, não se falava em drogas, o máximo de desregramento era fumar muito e beber muito, e nisso Dylan sempre se excedeu. A moda era combater a burguesia – xingar alguém de burguês era a pior ofensa – e misturar-se com os pobres, além de economicamente vantajoso era politicamente correto. Durante algum tempo, o poeta morou com o pintor Alfred Janes, numa “república”. Não perdia, no entanto, o contato com Swansea. Lá ficara Vernon Watkins, o amigo e confidente, com quem manteve pela vida afora, por correspondência ou diretamente, um longo diálogo sobre o trabalho poético. Lá estavam a mãe, a irmã e David John, o pai, conhecido como D. J., já então com um câncer na boca,, com o qual viveu quase vinte anos ainda.
Foi para o pai que Dylan escreveu o famoso poema em forma de villanelle, uma forma clássica e muito rígida do século XVI, utilizada originariamente para temas pastorais, que Oscar Wilde e W. H. Auden também exploraram, mas nenhum com a densidade dramática e a tensão estética do galês. Dylan transformou a forma de canção num grito sufocado por soluços diante da iminência da morte do pai.
And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage, against the dying of the light.
E a ti, meu pai, te imploro agora, lá na cúpula obscura,
Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima bravia.
Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.
D. J., que gostaria de ter sido um gentleman e um poeta, que foi um grande declamador de versos com influência inegável na realização da obra do filho, aparece muitas outras vezes nos poemas de Dylan Thomas, conquistando assim uma indireta imortalidade.
A morte é um tema constante e uma preocupação do poeta. A saúde precária parece provocá-lo a desafiá-la, a fingir que não a teme. E cada vez bebe mais, o papel de poeta maldito assim o exige.
No primeiro ano em Londres, Dylan pensou ter visto as portas do Inferno e teve medo do delirium tremens. Tinha ressacas terríveis, atormentado por sentimentos de culpa. Fantasista e exagerado, também sabia aumentar qualquer dor ou mal-estar: um simples resfriado era, para ele, pneumonia, ou tuberculose. Imaginoso, contava bravatas sobre farras e mulheres, mas sabe-se que, estando sóbrio, era até tímido e puritano. E apesar de ter adquirido, mais tarde, fama de mulherengo, Fitzgibbon acredita que ele jamais ia para a cama com outra além de Caitilin, sua mulher, se não estivesse bêbado.
Dylan teve um romance mais ou menos longo, mas ao que tudo indica, platônico, com a poeta Pamela Hansford Johnson, a quem escreveu cartas muito significativas sobre suas dúvidas e inquietações, sobre sua luta com as palavras para expressar o que sentia diante da vida e da morte. Parecia um grande amor, mas talvez apenas a idéia de estar apaixonado o apaixonasse.
Foi em 1937 que conheceu Caitlin MacNamara, uma ruiva e temperamental irlandesa, com quem se casou e teve três filhos, a quem traiu e magoou muitas vezes, mas de quem dependeu afetivamente até o fim.
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.
Ainda que os amantes se percam, o amor persistirá;
E a morte não terá nenhum domínio.
Ele e Caitlin gostavam de alardear que tinham feito amor no mesmo dia em que se conheceram. Ela costumava posar para Augustus John e havia tido, ou estava tendo, um caso com o pintor. O fato é que os ciúmes precipitaram a decisão de Dylan, e eles se casaram, sem um tostão. O poeta, que já fora repórter em Swansea, que trabalhara como ator e radialista, queria viver da poesia mas isso só foi possível depois que os norte-americanos o descobriram e convidaram para conferências e leituras de poemas em várias cidades dos Estados Unidos, muitos anos depois. Mesmo então, Dylan e Caitlin jamais souberam guardar o que ganhavam.
No início do casamento, portanto, foi a revisão de livros, um ou outro conto ou poema publicado, alguns programas na BBC e a ajuda dos amigos que os sustentaram.
De volta ao país de Gales, em 1938, moram primeiro numa casa sem banheiro e sem conforto, mas a que chamam Eros, em Laugharne, com vista para as ruínas de um castelo. Depois, alugam Sea View – Vista do Mar –, uma estranha construção de três andares perto da colina de Sir John que mais parece uma casinha de criança. Como não amar o cinza das águas e o cinza do céu dessa região?
Now the heron grieves in the weeded verge. Through windows
Of dusk and water I see the tilting whispering
Agora a garça se lamenta nas margens sem ervas. Pelas janelas
Do crepúsculo e da água vejo a garça murmurante que se inclina
No ano da guerra, em 1939, surge a coletânea O Mapa do Amor. Segundo Fraser, esse é o único conjunto de poemas da obra de Dylan Thomas que contém alguma crueldade ou obscenidade. Seriam as suas pièces noires, onde o mal se faz presente. E em termos junguianos, pode-se dizer que o poeta, nessa fase, estava absorvendo e superando a própria Sombra.
Já com um filho pequeno, passam quase toda a guerra em Londres, sob os impiedosos bombardeios que não pouparam nem a distante Swansea. Data dessa época a maior parte dos programas que Dylan fez para a BBC. E é curioso lembrar que o primeiro de uma série sobre a América Latina, que foi ao ar em 1940, era sobre o Brasil e o Duque de Caxias.
Bastante conhecido, o poeta agora é criticado. Acusam-no de obscuridade, hermetismo, imagens complicadas, metáforas estranhas. Qualificam sua poesia como surrealista. Dylan se defende: os surrealistas são partidários da escrita automática, brotada diretamente do Inconsciente. E ninguém é mais consciente e obsessivo com o som e com a forma do que o galês. Paul Ferris, seu outro grande biógrafo, garante que um amigo viu duzentas versões de um mesmo poema de Dylan Thomas.
O exemplo mais evidente da obsessão com a forma – e com a rima – do poeta está no prólogo de seus Collected Poems, que é preciso observar, é claro, no original. Neste poema de 102 versos, a última palavra do primeiro verso rima com a última do último; a última do segundo, com a última do penúltimo, e assim por diante, para, exatamente no meio, o som de farms encontrar-se com arms.* (*[R1] , e o verso EE E E o [R2] verso é To Wales in my arms, – para Gales, em meus braços). Não há escrita automática no mundo que produza tal perfeição formal. No poema “A conversa das preces”, de Mortes e Entradas, há uma rima interna rebuscadamente elaborada, que forma um ziguezague com as rimas finais de cada verso, além do poema ter sido construído quase todo com monossílabos. E extraordinária é a ausência total de monotonia. Assim como na forma musical da variação é preciso olhar com cuidado a partitura para descobrir como um tema se fragmenta, muda de ritmo, quase desaparece, na poesia de Dylan Thomas precisamos olhar a escrita muitas vezes para termos a dimensão, ou ao menos uma idéia do trabalho criativo, de sua mestria no ofício. Como ele mesmo se definia, era um sofrido artesão de palavras, tortuoso e ardiloso, que soube usar todos os recursos ao seu alcance: velhos truques, novos truques, trocadilhos, gíria, palavras justapostas ou portemanteau, paradoxos, alusões, assonâncias, dissonâncias, rimas tortas, ritmos quebrados, tudo o que pudesse mergulhá-lo cada vez mais fundamente no prazeroso – e tão penoso – delírio de criar. Um poeta devia ter esse direito. De onde quer que as imagens fossem extraídas, fossem elas arrancadas do eu marinho mais profundo, antes de serem derramadas no papel, tinham contudo de passar pelo intelecto, pela técnica, pela arte.
E todo esse esforço, o intrincado processo, para que serve afinal? “Para a celebração do homem que é, ao mesmo tempo, a celebração de Deus”.6
Ao contrário de W. H. Auden e de T. S. Eliot, Dylan Thomas não vivia num mundo conceitual, nem sua coerência era uma coerência de conceitos. Não era um especulativo, nem um metafísico; não pretendeu explicar o mundo, quis cantá-lo. Sua poesia é rito, celebração. É um visionário, como Rimbaud. Para ele, segundo Fraser, os opostos polares são, em algum nível, igualmente sagrados; sagrado é o gavião, sagrada é a pomba.
We are the sons of flint and pitch.
O see the poles are kissing as they cross.
Somos os filhos do sílex e do breu.
Ó vede os pólos que se cruzam a beijar-se
Entre 1942 e 1945, Dylan fez muitos documentários, entre os quais um sobre bombardeios, considerado mórbido demais para o público, que afetou profundamente seu espírito e sua imaginação. Isso explicaria, em parte, o retorno dos temas e das paisagens da infância em seus poemas tardios.
CONCLUI AMANHÃ
Filed under: Biografia, Literatura Tagged: dylan thomas, rachel gutiérrez
