Neste domingo de sol, às vésperas de um inverno que no Rio de Janeiro nem merece esse nome, o desalento é grande: os escândalos da corrupção se multiplicam a cada dia e o clima de ódio entre os que pensam de forma diferente não tem diminuído, ao contrário: o que aconteceu com a jornalista Míriam Leitão, que assina uma coluna sobre Economia no Jornal O Globo é, infelizmente, a prova disso.
Viajando, por coincidência, durante duas horas, no mesmo avião que transportava petistas que haviam participado de um Congresso do Partido dos Trabalhadores em Brasília, a jornalista precisou enfrentar ataques verbais, xingamentos, ofensas e gestos que beiraram a agressão física porque várias vezes até seu acento do avião chegou a ser empurrado. Ruth de Aquino, colunista da revista Época relata: “Ela foi coagida a escutar, da sala de embarque até a aterrissagem coisas assim: ‘Terrorista!’, ‘Tem golpista a bordo’, ‘Essa é agente da CIA!’ E Míriam Leitão escreveu: ‘Sou golpista porque mostrava, com números e fatos, como Dilma dobrou o número de desempregados de 6 milhões para 12 milhões?Faço terrorismo econômico porque já em 2010 eu criticava a manipulação de índices fiscais e previa a crise e a recessão que hoje aprisionam e entristecem o país?’
Ruth de Aquino afirma que ‘os agressores provavelmente nem leem o que Míriam escreve. Mas ouvem Lula gritar, em comício em São Paulo, que ‘essa Míriam Leitão não acerta uma’, ‘só dá palpite errado’ etc. E a jornalista conclui: ‘Ao citar nomes de jornalistas em tom jocoso, Lula faz o mesmo que Donald Trump nos Estados Unidos. A guerra à mídia e à imprensa é típica de populistas.’
A repercussão do episódio foi enorme. Em seu artigo de sábado, a escritora Rosiska Darcy de Oliveira escreveu: ‘Registro aqui minha repulsa à agressão sofrida pela jornalista Míriam Leitão. A intolerância dos agressores atingiu não só a ela, também à liberdade de imprensa.’
Mas o ódio não perpassa apenas as áreas da mídia e da política, o clima no país é tão denso e violento que também foi notícia – tristíssima notícia! – a tatuagem que dois marginais se acharam com direito de fazer na testa de um pobre rapaz deficiente mental, injustamente acusado de tentar roubar uma bicicleta:
Nos últimos dias, começou a circular nas redes sociais o vídeo de um adolescente de 17 anos que teria sido flagrado roubando uma bicicleta em São Bernardo do Campo, na região do ABC, e teve a testa tatuada com a frase “Eu sou ladrão e vacilão”. O caso, registrado em vídeo gravado pelo tatuador Ronildo Moreira de Araújo, de 29 anos, e seu vizinho Maycon Wesley Carvalho dos Reis, de 27, aconteceu no dia 31 de maio.
Que mundo é esse? A que ponto chegamos?
Tudo isso seria diferente se o nosso país tivesse atentado para a nossa gravíssima carência de Educação, desde a mais básica à que conduz à consciência crítica e à ética, à civilidade e à democracia.
O nível dos países que investiram na Educação é incontestavelmente superior, tanto em desenvolvimento econômico quanto em IDH ( Índice de Desenvolvimento Humano ), tanto em Saúde quanto em Bem-Estar Social.
É preciso lembrar que só em meados do século XX teve início o processo de expansão da escolarização básica no país, e o seu crescimento, em termos de rede pública de ensino, foi ocorrer apenas no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980. E nas escolas atuais, professores mal pagos enfrentam alunos rebeldes e não raro violentos, verdadeiros delinquentes.
E, como diz o Senador Cristovam Buarque, em um de seus artigos:
Um país que não consegue assegurar o funcionamento de suas escolas é um país em decadência: não conseguirá formar a inteligência que o mundo necessita para enfrentar os desafios do século XXI.
Precisamos perceber que estamos em um processo de decadência histórica, que pode nos levar a uma desagregação social e à condenação ao atraso em relação ao resto do mundo, talvez por décadas no futuro.
Buarque acrescenta:
Na atual civilização baseada no conhecimento, não será possível um país evoluir se cerca de 13 milhões de pessoas (8% da população adulta) são analfabetas, incapazes de ler até mesmo o lema “Ordem e Progresso” escrito em sua bandeira; se mais de 26 milhões (18%) de adultos são analfabetos funcionais; se o acesso à educação de qualidade for um privilégio para as poucas famílias que podem pagar por uma boa escola.
E eis aqui as mais recentes e tristes estatísticas: Em todo o país, 2,8 milhões de crianças e adolescentes, ou 6,2% dos brasileiros entre 4 e 17 anos, estão fora da escola. Além disso, temos aproximadamente 14 milhões de Analfabetos absolutos e um pouco mais de 35 milhões de Analfabetos funcionais, conforme as estatísticas oficiais. Segundo dados do IBOPE (2005), o Analfabetismo funcional atingiu cerca de 68% da população. E apenas 14% dos adultos brasileiros chegam ao ensino superior, percentual considerado extremamente baixo se comparado à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas o mais grave de tudo é que a atual crise fez recrudescer a fuga da nossa inteligência para outros países.
O momento é grave. E os políticos e governantes que ora se digladiam com o único intuito de permanecer no poder, cada vez mais distantes da realidade de seus governados, enquanto o país vai à deriva, estão com os olhos fechados, como diz o Senador Cristovam Buarque.
Oxalá tenha razão a escritora Rosiska Darcy de Oliveira, quando escreve:
Apesar de vocês, políticos canastrões no papel de estadistas, com seus peitos estufados, suas gravatas espaventosas, apesar dos seus porões noturnos, seus sussurros e maquinações escabrosas, suas mesadas milionárias, seus empresários tão amigos, apesar da venda do país e de nós todos ao longo de décadas, (…) trocando de cúmplices como de sapatos, nessa omertà insultuosa aos brasileiros que lhes sustentam com seu trabalho. Apesar de vocês, contra vocês e mais forte do que vocês, um outro Brasil já existe como querer coletivo.
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